Tuesday, July 27, 2010

Visita frustrada ao Mausoléu de Cabral na Amura



















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No dia 22 decidi dar uma aula de história ao meu querido Lassana, príncipe mandinga de 7 anos.

Fomos até ao Palácio e ele viu o que uma guerra pode fazer a um país: transformá-lo em escombros, mortos e tristeza.

Entrámos no Palácio onde agora vivem centenas de morcegos. Vimos as marcas das balas – e falámos de como as guerras apenas trazem coisas más.

Continuámos a nossa pequena viagem pela cidade.

Fomos à sede do PAIGC e entrámos. Vimos a fotografia de Cabral e falei-lhe de Cabral – pai desta nação!

A sede estava deserta, apenas um homem dormia, sono santo, nas escadas da entrada.

Fomos à Amura, quartel antigo do tempo colonial, onde repousa o corpo de Cabral. Demos a volta à Amura e vimos os antigos canhões dos portugueses.

Queria mostrar-lhe o Mausoléu de Cabral, visitado por mim em 1977.

Falei com alguns militares para poder ter acesso ao quartel da Amura. Consegui e, lá fomos para a Amura.

Os militares da porta de armas foram muito simpáticos mas tínhamos que ir falar com a PM (Polícia Militar) e lá fomos.

No caminho mostrei ao Lassana o carro velho, degradado e em muito mau estado de Cabral. Um Volkswagen que veio de Conacry. A este carro já lhe falta tudo: rodas, luzes, assentos, etc. É uma pena que a Guiné-Bissau não tenha tido ao longo dos anos o respeito merecido por Cabral.

Há pouco tempo o Projecto Mom Ku Mom, juntamente com militares cobriu o carro, defendendo-a assim de mais degradação.

Chegámos à PM, onde estava um PM sentado e disse que não era possível visitar o Mausoléu. Tinha que escrever uma carta ao Estado Maior das Forças Armadas e fazer o pedido. Disse-lhe que não tinha tempo para fazer isso, pois já estava de saída da Guiné e que antes de sair gostaria de mostrar ao Lassana o lugar onde está Cabral. Foi irredutível na sua força burocrática, senão militar. Ainda tentei que houvesse um pouco de bom senso, insistindo em visitar o Mausoléu. Sem efeito.

Saímos da Amura.

Pergunto eu:

O Mausoléu de Cabral é propriedade dos militares?

Porquê este pedido ao Estado Maior?

Para mim não tem sentido!

Ai Cabral, não era isto que tu querias para a tua nação.

A Guiné-Bissau deveria facilitar o acesso ao Mausoléu para todas as pessoas, em especial para as novas gerações guineenses – eles sim, o futuro deste país!

Querido Lassana, num futuro próximo iremos visitar Cabral.

Incha'allah!

Aos meus companheiros das Palavras

Nestes 2 meses e meio agradeço, ao nosso Saramago, ao Mia Couto, ao José Rodrigues dos Santos, ao Luís Sepúlveda, à Jasvinder Sanghera, à Alice Munro, à Doris Lessing, ao Mário Vargas Llosa, ao António Pinto da França, que me acompanharam pelas noites dentro na Guiné-Bissau.

Obrigada

Wednesday, July 14, 2010

Terra de direitos desumanos

Ai.... este Mia Couto que me faz apaixonar pelas palavras


"... Que eu sei e que desfaço de contas que não há provas. Todavia, pergunto eu: chego e calabouço-a assim, como se o nosso país fosse terra de direitos desumanos? Ainda por cima com o nariz dessa malta estrangeira por aí a cheirar-nos?...."

In "O Último Voo do Flamingo" - Mia Couto

Tuesday, July 13, 2010

O Último voo do Flamingo

- A guerra já chegou outra vez, mãe?

- A guerra nunca partiu, filho. As guerras são como as estações do ano: ficam suspensas, a amadurecer no ódio da gente miúda.

In “ O Último voo do Flamingo” – Mia Couto



Sunday, July 11, 2010

Mulheres com H grande

Ao longo dos anos que por aqui fui passando percebi-me da força das mulheres neste país.

São elas o suporte das famílias.

E são elas que pela manhã vendem no mercado, tendo assim dinheiro para a comida da família nesse dia.

E são elas as donas do fogão.

E são elas, que subtilmente, detém o poder dentro da família e na comunidade.

E são aquelas mulheres-grandes, com sabedoria, que vão conduzindo a família e a ligação entre e estar e o não estar.

E são as mandjuandades, organizações de mulheres, com os seus mistérios e saberes.

E são as matronas, parteiras tradicionais, de conhecimentos antigos.

E são as fanatecas, detentoras de um poder real e misterioso inatingível.

E são as mulheres, talvez as primeiras a saber, acontecimentos que hão-de vir.

Mesmo sabendo eu o quanto elas estão sujeitas às questões culturais mais ou menos dramáticas – vão caminhando neste caminhar de influências e de poder.

Assim as fui vendo e sentindo.

Golpe, não golpe. Assassinato, não assassinato. Pobreza, não pobreza. Elas têm sido os pilares da sobrevivência destas famílias e deste povo.

A violência sobre as mulheres fica dentro do privado da casa ou da família e assim perpetuando-se culturalmente.

Raramente se via neste país alguém insultar uma mulher em público. E quando a discussão aquecia é a mulher que chama a atenção de que ela pode ser a mãe, a avó ou a tia – e vi muitas vezes os homens curvarem-se a este peso de respeito cultural.

Na passada semana uma coisa aconteceu que me surpreendeu e que me fez cerrar os dentes.

Um grupo de militares bateu, em pleno centro da cidade, em 3 mulheres polícias com tal violência que foram hospitalizadas.

Bateram em mães, em avós, em tias…

Uma porta se abriu – antes cerrada.

Saturday, July 10, 2010

Cabral, cidadão do mundo!






















Passeava eu, ao fim da tarde, pelo porto de Bissau. Procurando lugares na minha memória.

E vi-te Cabral. Na tua pequena estátua, olhando para além do Rio Geba, cruzando o sul e viajando pelo continente. Cabral, cidadão do mundo.

E olhei-te mais uma vez. O monumento que deveria estar limpo estava rodeado de ervas daninhas. Nas tuas costas um monte de lixo. E uma mulher louca tomou-te como lugar de viver a desesperança.

Tu Cabral que és o pai e a mãe desta nação guineense, estás só, sem ninguém a cuidar de ti.

Um dia, nas ilhas distante, ouvi: Kabral ka muri!

Quantas vezes te estão matando? Quantas vezes, Cabral?

Quando acaba esta morte prolongada?

E o meu coração se aperta na tua infinita tristeza.


Sunday, July 4, 2010

A pequena máquina de café












Era uma vez uma pequena máquina de café….. era uma vez um técnico da máquina de café. E aqui terminaria a história, se a história não se prolongasse no infinito tempo da Guiné.

Vou começar outra vez.

Era uma vez uma pequena máquina de café e um técnico da máquina de café – e aqui começa uma história de amor para mim surpreendente.

A máquina de café avariou há muitos meses atrás. Ficou abandonada num canto, até que se chamou um técnico, meticuloso, atencioso, esmeroso e assim começou uma relação que já vai por 4 semanas e, por outras tantas se prolongará

Todos os dias, ou quase, o técnico chega.

Coloca carinhosamente a máquina à sua frente – e é um ver de cuidado a forma como ele trata a máquina. Tira uma peça, limpa-a, coloca-a outra vez, tira outra e assim sucessivamente, esteja calor, ou esteja chuva torrencial. E os dias vão passando neste mistério misterioso da pequena máquina de café.

E ainda há aquele olhar surpreendente do técnico para a máquina, olhando, revirando os olhos pensativamente.

Um dia e, espero que nunca chegue, a máquina exercerá a sua função: tirar cafés para os clientes do restaurante. Mas aí, a pequena máquina de café jamais terá o carinho das mãos do técnico – ou então a saudade falará mais alto e avariar-se-á e, gloriosamente, ficará à espera daquelas mãos carinhosas.