Thursday, June 10, 2010

Nhala - a minha tabanca


No caminho para o sul e quilómetros e quilómetros percorridos a minha alma vai ficando grande. Estou próxima de Nhala, a minha aldeia adoptada por mim há 30 anos. É uma aldeia que fica no fundo do cruzamento. Viramos à direita até acabar o caminho – e lá está ela. De um lado a aldeia, do outro a antiga escola onde trabalhei e vivi 2 anos e à entrada aquele velho mangueiro que bem me conhece e lá no fundo do mato, a descer, a minha fonte.

Os quilómetros vão passando e a emoção vai crescendo dentro de mim. Um reencontro de tantos anos, de tanta coisa passada, de vidas que já não são, de memórias, de lágrimas e de uma imensa alegria.

Chego. E para meu espanto a aldeia tinha-se alargado para a estrada. E agora há uma Nhala de Baixo e uma Nhala de Cima. Muitas casas novas, escola, mesquita… e as pessoas, esperando-me – não me reconhecendo. Com tantos anos passados, os mais velhos da altura, já poucos estarão vivos. As crianças tornaram-se adultas e eu de volta.

Começa a reunião com a população – e eu sentada tentando reconhecer em cada rosto um rosto antigo – mas a memória falha-me, apenas fica dentro de mim rostos de meninas que comigo partilharam a minha vida 2 anos.

Explicou-se à comunidade a razão do projecto e foi dito que eu tinha escolhido aquela aldeia porque a considerava minha – houve um ligeiro movimento de espanto que percorreu as pessoas e no meio uma mulher perguntou “És a Ana Paula” – Sou. – Respondi. Tinha-me esquecido que as pessoas daqui assim me tratavam. E os sorrisos alargaram-se num espanto temporal. “Brinquei na tua cama”. – disse outra mulher – que naquele tempo atrás era uma das meninas. A minha emoção cedeu e as lágrimas saíram em liberdade. Era a Maimuna. Embaraçada com os meus olhos embaciados tentei recuar um pouco mas as mulheres rodearam-me, tocando-me, abraçando-me – talvez tentando fazer sentido da minha pessoa de há 30 anos atrás. Para eles eu teria que já ser uma mulher velha de cabelos brancos – e não era o caso. Perguntarão para si próprios – “mas estes brancos não envelhecem como nós?”

Nestes 30 anos não tive 10 filhos, não tive que trabalhar no campo, não tive que andar horas e horas debaixo do sol a acartar água, não tive que inventar maneiras de alimentar a minha família – e tantas outras coisas que nos diferenciam – apesar de mulheres que somos nós.

Acabou a reunião. O carro arrancou e olhei para a estrada do cruzamento – para a minha Nhala de Baixo. Voltarei num destes dias para te saudar, para abraçar o velho mangueiro e visitar a minha fonte.

Até um destes dias.

2 comments:

  1. É sempre bom o reencontro com o nosso passado mesmo que ele tenha sido em alguns aspectos doloroso, porque da dor se tiram também muitas lições.
    Que bem que ficas entre essas mulheres bonitas!!

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  2. Obrigada minha querida
    É o reencontro com a minha memória e com um passado bem vivo dentro da minha alma

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